Regresso lentamente à realidade. É um exercício penoso. Descobri que os dias de afastamento me trouxeram mais dois quilos. Chamei embusteira à balança, asseverei-lhe que o melhor era ir trocar a pilha, mas ela permaneceu muda e sem pestanejar. Então, lancei-lhe um anátema. Encolheu os ombros, como se as questões religiosas lhe fossem indiferentes. Voltei a pesar-me. Mais dois quilos. Odeio balanças persistentes. Algumas são volúveis, mas não a que me coube em sorte. Saí e fui pôr o carro a lavar. Estava sujo de irrealidade, com manchas de fantasia e nódoas feias de tanta extravagância. A casa está um pouco mais quente do que quando a deixei. Abri-lhe as janelas para que a manhã entrasse com o seu exército de frescura e as vozes apócrifas que escuto sentado à secretária, como um pássaro no poleiro. Desconfio que tenho coisas para fazer, mas filio-me de imediato no clube dos procrastinadores. Entro para a grande sala, perguntam-me o que quero e eu respondo “um whiskey”. Fazem uma leve vénia. Espero, espero, espero que o empregado deixe de procrastinar. Se houvesse vento, seria mais fácil suportar a realidade, pensei. Um homem com umas longas barbas atravessa a passadeira. Tem o ar de profeta do Antigo Testamento. Aguardo o momento em que, iracundo, se volte e comece a profetizar. Ele, porém, senta-se numa esplanada e daí a pouco vejo-o a beber uma cerveja. Maldita realidade, é o que me acode ao pensamento.
Tenho que comprar uma balança dessas que só aumenta dois quilos e ainda por cima tem pestanas e ombros ;)
ResponderEliminarEu nem cheguei a sair da realidade, pelo que se torna muito mais fácil regressar a ela; e daí talvez não...
Um ventinho pela manhã seria bom, mas ele só aparece à tarde, quando já não faz falta nenhuma.
Vou parar com as lamúrias :)
Bom regresso, HV!
⚘
Eu tinha comprado a balança para ela ir diminuindo e não para aumentar.
ResponderEliminarMuito obrigado e paciência que o Verão há-de passar.
HV