Quando há pouco olhei para a rua, o dia estava turvo, uma mancha de cinza húmida flutuava na atmosfera e caía lentamente no chão. Agora, porém, apesar do céu revestido por nuvens cinzentas, tudo se tornou definido como acontece quando se limpa os óculos sujos e embaciados. As cores tornaram-se mais vibrantes, os amarelos e castanhos das folhas mortas, os verdes daquelas que persistem por dentro da invernia, até os tons baços de muros e paredes ganharam uma nova vibração, um som mais musical. Das caves esconsas dos prédios saem automóveis para enfrentar as exigências de domingo, enquanto, sentado no escritório, bebo café e como uma fatia de bolo-rainha. E ao escrever isto, logo me maravilho com o progresso da igualdade entre géneros. Se não fosse excessivamente brejeiro e dado a más interpretações, diria que antigamente só o bolo do rei podia ser comido, agora também o da rainha se alcandorou ao êxtase da deglutição, mas para evitar mal-entendidos e interpretações falsas e ociosas afirmo que não escrevi o que acabaram de ler. Isto podia mesmo ocultar o mais importante. Assim como o arquitecto divino da costela do homem extraiu a mulher, também um pasteleiro humano de uma amêndoa torrada perdida no bolo-rei gerou o bolo-rainha. E em ambos os casos o segundo produto excedeu em larga medida a qualidade do primeiro. O que prova que Deus escolheu a melhor costela do homem, e o pasteleiro teve a sensatez de evitar criar o novo produto a partir da lamentável fava. Apesar da triste superficialidade do meu escrito, as cores continuam vibrantes, assim como a música que delas se desprende e inunda o universo até às esferas celestes. Como é belo o ócio dominical.
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