Acabei de fazer a primeira leitura do Poema à Duração, de Peter Handke. Depois, fechei o livro, extraí com cuidado da contracapa a etiqueta autocolante onde está o preço e a parafernália de informações que ali são encaixadas e colei-a no verso da capa. É um hábito inútil que adquiri há uns anos, uma espécie de habilidade manual que cultivo. Irrito-me se a operação corre mal e rasgo aquela peça informativa. Outras vezes, esqueço-me e a contracapa fica maculada com a prova de que um livro também é uma mercadoria. Não sei se era a isto que um certo autor do século XIX chamava fetichismo da mercadoria, mas bem podia ser. Bem, o melhor é afirmar desde já que sei que não era, antes que apareça alguém a querer discutir o conceito, que para mim não passa de um tropo literário para este texto. Não devias usar a palavra tropo, diz-me um dos homúnculos que habita a caverna da minha inconsciência. Mandei-o dormir e pus-me a contemplar o mundo lá de fora. As árvores do pequeno bosque da escola aqui ao lado já cresceram o suficiente para que as copas não me ocultem uma certa rotunda cheia de repuxos e umas figuras inomináveis vindas sabe-se lá de onde. Indiferentes ao desastre estético, os carros volteiam por ali e distribuem-se pelo mundo. Mais ao longe, as paredes do hospital que um dia foram brancas são agora um campo sujo, onde exércitos de fungos espalham véus de cinza escura. O sol sofre de raquitismo, mas as orquídeas estão quase todas carregadas de botões. Estão à espera que cheguem os Reis, para que as decorações de Natal sejam recolhidas e elas voltem para o friso de onde contemplam o universo. Depois de hoje, restam a Dezembro e ao ano dois dias. Virá então Janeiro e outro ano, mas nada disto é duração, apenas a dança rude do calendário.
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