Estou há duas hora à procura de uma palavra. Tive necessidade dela para compor uma qualificação, mas esquivou-se sempre, perdida no labirinto da minha memória. Há vestígios de pegadas e não me canso de seguir pistas, mas não consigo apanhar o maldito adjectivo com que haveria de qualificar um pobre substantivo. Consta que os substantivos partiram para exílio, condenados pelos óstracos preenchidos pelo punho de ferro dos gramáticos inovadores. Ainda na gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra lhes era dedicado todo um capítulo. É verdade que a comprei há muito, num tempo em que ainda existia o jornal que se chamava O Jornal e havia livrarias que lhe pertenciam, num tempo em que um número de telefone da rede de Lisboa era composto apenas por seis algarismos, e os da província, onde a vida era mais simples e autêntica, por cinco. Se abrir uma gramática actual, não há substantivos, apenas nomes. Em contrapartida, O Jornal morreu há muito e os números de telefone chegaram aos nove dígitos. Um progresso. Um dia talvez partilhe uma meditação sobre o que se perdeu ao passar de substantivo para nome, mas hoje por hoje poupo o eventual leitor às coisas sem nexo que em mim são enxurrada. Além do mais, não me foi dada a vocação de gramático. Com esta conversa, a palavra continua em fuga e o substantivo parece impaciente, pergunta-me se demora muito a atribuição da qualificação, está com muita pressa. Respondo que há qualificações que podem demorar uma eternidade. A culpa é da burocracia do Estado, emperra tudo, sempre a levantar obstáculos às ideias maravilhosas e inovadoras dos cidadãos. Quando estes não as têm, como é o meu caso, a burocracia ataca a memória, esconde as palavras apropriadas, não hesita mesmo em fazer cair na ruína uma qualificação que haveria de determinar a felicidade senão de todos, pelo menos a do maior número, tudo de acordo com o princípio da utilidade. O problema é mesmo a burocracia, o labirinto processual kafkiano, o odor a naftalina que me vem à memória, o ranço da gramática que fala em substantivos, enquanto a outra, com odores de lavanda, fala em nomes contáveis e não contáveis, como se tudo não passasse de um negócio com contabilidade organizada. Se continuar a escrever, só paro em 2021, nem dou pela passagem de ano. Ah… encontrei o adjectivo.
E qual? E para que o queria?
ResponderEliminarUm bpm 2021 para si.
~CC~
Trata-se de 'lustral', para qualificar 'água'.
EliminarUm bom 2021, para a CC.
HV