Sinto sempre que nas festividades cristãs, o Natal e a Páscoa, há um excesso para o qual os homens não estão preparados. Não sabem lidar com elas, com a perturbação que introduzem no modo como entendem espontaneamente o mundo, o que os leva para a trivialidade. Apesar da minha condição, também nunca soube bem como viver esses momentos. Não são fáceis. O pior, hoje em dia, é este vírus e eu, como é visível, estou velho, demasiado velho. Não devia, mas talvez tenha medo. Isto foi o que me disse há pouco, quando me ligou para desejar um bom Natal, o padre Lodovico. Depois lamentou-se da não realização do encontro habitual do grupo que ocorre sempre num certo restaurante de Campo de Ourique entre o Natal e o Ano Novo. A vida sem esses encontros perde cor, e, acrescentou, vocês têm filhos e netos, eu só tenho a minha vocação. Não é pouco, mas. E deixou a conjunção suspensa. A vida tem mais mistérios do que aqueles que estamos preparados para admitir, pensei quando a chamada acabou e eu fui espreitar a Sá Carneiro, por onde pessoas e carros deslizam como num sonho. Um homem ainda novo, de máscara preta, caminha devagar. De um bolso tira o telemóvel e logo as costas se arqueiam, como se um peso inesperado lhe tivesse caído sobre os ombros. Ao longe, as torres do castelo olham com indiferença o que se passa na cidade. Ainda mais longe, os pequenos outeiros que me limitam a visão fundem-se com o céu triste do dia. O Natal está à porta. Faço uma lista de pessoas a quem devo ligar. Depois, enumero as velhas práticas da época que a virose descabelada me obrigou a suspender. Vou almoçar, antes que se faça tarde.
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