sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Efeitos musicais

Nesta altura do ano, os dias começam a despedir-se muito cedo. A um sol glorioso, que parece ir brilhar por toda a eternidade, segue-se, de súbito, uma luz mortiça e envergonhada, impotente para fazer reverberar as paredes dos prédios, para iluminar de ouro e prata a copa das árvores que ainda não perderam as folhas. Logo vem o crepúsculo e a escuridão nocturna. As acácias da praceta ainda estão magníficas, com as suas folhas amarelas, ainda tisnada por leves sombras esverdeadas. Daqui a pouco serão apenas manchas pardas. Das colunas da aparelhagem sai uma música que se poderia escutar sem nunca dela ficar cansado. Trata-se de canto gregoriano. A opinião da escuta eterna sem cansaço não é minha, mas de alguém que no Youtube comenta um vídeo com sete horas deste tipo de música. Tanto o canto gregoriano como o bizantino têm o estranho poder de envolver a consciência sem a ela se impor. Talvez a polifonia renascentista ainda herde algum deste poder. A música do barroco, porém, já se afastou desta possibilidade. Apesar de ser uma música extraordinária, não tem o poder conciliador que o ouvinte encontra no canto gregoriano e na polifonia da Renascença. A partir daí, com o classicismo, o romantismo e a música contemporânea, o afastamento dessa origem pacificadora foi crescendo, embora no século XX se tenha assistido a algumas tentativas restauracionistas dessa experiência agora arcaica. Como se vê, a minha falta de assunto é total. Se tivesse alguma coisa para dizer, mínima que fosse, não teria escrito sobre aquilo de que nada sei, a música. Uma pessoa, porém, se escrevesse apenas sobre aquilo que sabe, talvez ainda não existisse hoje coisa alguma escrita. Com isto, cheguei ao crepúsculo. A tonalidade do ambiente está carregada de mistério, o mistério da queda da noite.

Sem comentários:

Enviar um comentário