Está consumado mais um fim-de-semana. A noite chegou ainda andava eu a fazer uma caminhada. Veio sem pedir licença e instalou-se, mesmo contra a vontade de certos candeeiros de iluminação pública. Persistiam em permanecer apagados, em protesto mudo contra o fim do dia e o ter chegado a altura de entrarem em funções. Talvez estejam em greve. Nunca se sabe o que se passa na cabeça luminosa de um candeeiro público. Nem dos privados, mas esses, por agora, não vêm ao caso. Durante grande parte de percurso temi que a minha deambulação fosse inútil, que nenhuma lição me surgisse no caminho, nem gesto glorioso viesse à existência para que eu, como narrador muitas vezes em conflito com o autor, aqui viesse contar. A sorte, porém, protege os audazes. Tinha-me metido por uma ruela menos dada ao trânsito quando me deparo com um adolescente – noutros tempos diria um fedelho – a equilibrar-se numa trotineta e a tentar, com pouco êxito, fazer uns equilibrismos. De repente, oiço uma voz feminina – por certo, a mãe – a proclamar que não tarda o equilibrista estará a ganhar dinheiro no YouTube. Durante a minha transição naquele beco com saída, ouvi-a umas três vezes manifestar a convicção. Não esperava, ao sair de casa, ter uma lição de sociologia, mas esta pode surgir a qualquer momento, desde que nos aproximemos da humanidade. A graçola maternal era bem mais que uma graçola, era a expressão de um desejo que é, todo ele, uma visão da sociedade. Ganhar dinheiro nas redes sociais produzindo irrelevâncias. Foi depois desta epifania que a noite caiu. Fê-lo sem estrondo, como só uma noite o sabe fazer. Talvez o equilibrista em potência chegue ao YouTube ou se perca na tenda de um circo.
Sem comentários:
Enviar um comentário