Sentado à secretária, esquecido que era sexta-feira, entreguei-me a um longo delíquio. Não no sentido de me ter estado a liquefazer, mas de ter perdido a consciência. Neste caso, a consciência da realidade, envolvido que estive numa daquelas tarefas fantasiosas com que preencho a vida, cuja utilidade é nula, apesar do esforço de perfeição com que a envolvo. Talvez eu esteja a pagar pensamentos que tive na longínqua juventude. Pensamento sobre a inutilidade de tudo o que era visto como útil, a inutilidade da própria existência humana sobre o planeta Terra. O mais importante, porém, aconteceu ontem. Fui com o meu neto à feira da Golegã. A criança, o pai e o avô, com a intromissão da avó, foram jardinar entre cavalos e gente que se passeava por ali, como se o ali fosse uma coisa importante. Nunca apreciei o evento. Sempre me faltou paciência para feiras, festas e romarias, mesmo que sejam a efusão de pessoas que ouvi denominar como agro-betos. Os cavalos parecem muito nervosos com a multidão, as pessoas tentam dar-se ares de tradição e fidalguia, mas na verdade tudo aquilo, se observado com atenção, é triste, tão triste como um circo, com os seus palhaços ricos e pobres. O pequeno não me pareceu particularmente entusiasmado. Compreende-o. Chega de devaneio sociológico. Coisas ainda mais inúteis esperam o ardor do meu esforço. Tê-lo-ão.
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