segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Considerações sobre os mortos

Chegámos a Novembro e aos Santos. Cedo, saí de casa pois necessitava de fazer umas compras. Passei pelo cemitério. No pequeno largo exterior havia algum movimento, venda de flores e de alguma parafernália para deixar nas campas. O movimento, todavia, não era muito. Talvez fosse muito cedo, talvez porque o dia de Fiéis Defuntos seja amanhã e não hoje. Poderá haver uma outra razão para a diminuição da afluência aos cemitérios, se é que há essa diminuição. A subjectivização da relação com os mortos. As visitas aos cemitérios pressupõem ainda a existência de um corpo objectivo que ali está e é esse que suporta o culto do antepassado. Ora, uma das marcas da modernidade é a subjectivização da relação com o mundo. Pode-se cultuar os antepassados apenas na interioridade do sentimento e da memória, sem necessidade de recorrer a um suporte físico dado pela existência de um corpo na campa, no jazigo, etc. Os que morreram não se encontram nos cemitérios, mas na memória, no sentimento e nas orações dos vivos. Tudo isto me disse há pouco o padre Lodo, quando lhe liguei e lhe contei que tinha visto pouca gente à porta do cemitério da cidade. Depois, da reflexão filosófica sobre um problema sociológico, lembrou-me que estava com imensas saudades de comer umas broas daqui. São únicas, acrescentou. Levar-lhas-ei, caso vá a Lisboa no fim-de-semana. Agradeceu. Não resisti e disse-lhe que deveria ter cuidado com elas, mesmo que não contribuam para a perdição a alma, podem não ajudar muito o corpo. Ele respondeu com uma expressão em italiano que não percebi e riu-se.

2 comentários:

  1. eu acredito que as pessoas precisam de uma referência física onde pousar os olhos, onde poder exteriorizar o que sentem, como as campas, como as flores, como os santos nas igrejas. São âncoras, a meu ver.
    Eu trago os meus mortos dentro de mim, mas, mesmo assim é frequente acender uma vela com a intenção de lhes iluminar o caminho.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim é verdade que muita gente ainda sente essa necessidade de uma referência física, mas isso teria uma maior expressão no passado. Hoje haverá muita gente que já não tem essa relação com a fisicalidade que simboliza os que partiram. Será uma marca da evolução individualista e subjectivista que as sociedades modernas ocidentais têm seguido. Por outro lado, como a tradição já não exerce um domínio cerrado sobre as consciências, cada um faz como entender.

      Eliminar