O senhor René Descartes achou por bem que nós, seres humanos, não possuímos um critério seguro para distinguir se, neste momento, estamos acordados ou a sonhar que estamos acordados. As ínvias razões que o motivavam, nessa altura da vida, não são chamadas para aqui. A verdade, porém, é que talvez eu esteja a sonhar que estou a escrever sobre o que escreveu o filósofo francês, embora ele não pudesse afiançar – pelo menos sem recurso ao sobrenatural, o que nos jogos de hoje está interdito – que não estivesse a sonhar. Se assim for, aquele que ler o que Descartes escreveu, pode estar a sonhar com o sonho que ele teve de estar a escrever tal coisa. Tal como pode acontecer com o eventual e benévolo leitor ao pensar que está a ler aquilo que eu escrevi. Quem lhe disse que não está a sonhar? O que me atormenta de momento, todavia, é não saber por que motivo esta história de Descartes me veio assombrar. Talvez esteja a sonhar com ela. Bem podia estar a escrever qualquer coisa que tivesse o Saramago pelo meio. Além de ser português e de hoje fazer cem anos que nasceu, tem ainda a vantagem de ter recebido um prémio Nobel, coisa que Descartes não conseguiu, embora não lhe faltasse inclinação para a ficção. E caso a Academia Sueca achasse que a ficção cartesiana não era merecedora de tão alta distinção, podiam dar-lhe o Nobel da Física. Há quem diga que ando a baralhar as coisas. Se isso é verdade, então também posso baralhar as épocas. Alguém é capaz de dar uma boa razão para afirmar que Descartes não veio depois de Saramago? Não vale dizer porque ele nasceu primeiro. Essa é muito fácil e pode estar incluída na história do sonho. Alguém está a sonhar que Descartes nasceu antes de Saramago. Um sonho tão implausível como qualquer outro. Por falar em sonhos, os únicos que eu conheço são os sonhos de Natal. Se há outros, não sei, e também não vale a pena vir com a conversa de Freud e da interpretação dos sonhos. Cada um ganha a vida como pode.
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