quinta-feira, 14 de abril de 2022

Indulgentĭa

Ontem, pela tarde, instalei-me, por uns dias junto ao mar. Tem sido um fartote de pontos cardio. Mal chegado, fiz uma caminhada de 6 km. Hoje de manhã, repeti o exercício. A parte mais espantosa é caminhar pelo molhe, que tem 600 metros e termina num farol. Isto significa que um quinto da caminhada é feito com água dos dois lados. Também há barcos a passar, outros ancorados, surfistas, pescadores – embora ontem e hoje não tenha visto nenhum – gaivotas e gente que, como eu, está preocupada com os pontos cardio. Hoje, em parte do trajecto, fui acompanhado pelo cão das minhas netas. Não é um mau caminhante, mas é fascinado em postes. Tem de parar em todos para alçar a perna. Tive de o deixar para trás ao cuidado da avó das netas. Após esta experiência, constato não haver compatibilidade entre pontuação cardio e passeio com cães, pelo menos se ainda estão na fase de serem cachorros, pouco experimentados no mundo e pouco conhecedores de postes. Hoje é quinta-feira de Endoenças. A palavra deriva da latina indulgentĭas. Estaremos, então, num dia de remissão de penas, de perdão, mas também de tolerância e de bondade. Seria interessante meditar sobre as quatros palavras – remissão, perdão, tolerância e bondade – mas falta-me a disposição. Estamos em pleno Tríduo Pascal, mas, apesar de Portugal ser tido como um país católico, isso não terá outro efeito senão dar lugar a umas pequenas férias. O que é sempre bom para o turismo, e como se sabe a vocação portuguesa é o turismo. Somos um povo com propensão para velar pelo descanso dos outros, mesmo que isso implique não ter descanso. Talvez estas considerações rocem a política, e esta, como tenho referido por diversas vezes, foi-me interdita pelo autor. Um narrador não se mete em política. Obedeço e será nisso que reside a grande diferença literária entre o autor e narrador, os autores têm opiniões políticas, mas os narradores são obrigados à omissão. Estou a precisar de indulgentĭa.

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