Um domingo de Páscoa com parte da família. Na praia, lugar em que raramente ponho os pés, tive de correr atrás do meu neto. Está naquela idade em que os ouvidos não estabelecem relação entre os estímulos exteriores e o cérebro. Em casa, andou a explorar o exterior. Perante um insecto na parede, perguntou o que era. Um bicho, respondi. Vou matar, propôs-se. Não. Então, posso fazer uma festa? Também não, adverti. Tem uma certa inclinação para fazer coisas que não deve. O dia tem estado, por estes lados, nublado. Junto ao mar corre uma nortada fria, e as águas começam a estar encapeladas. Mar de Abril, oiço dizer. Agora, estou dividido entre ir caminhar ou ficar a ler o livro que tenho entre mãos. O mais provável, porém, é recostar-me e adormecer. Uma das últimas coisas que li foi um conto – embora esteja incluído na colecção de ensaios – de George Orwell. Nessa altura, o autor ainda não usava o pseudónimo por que ficou conhecido. O texto é de Eric Blair, o nome de Orwell. A narrativa tem por título O Albergue e conta a experiência num albergue para mendigos. Um texto cru sobre uma realidade cruel. Essa crueldade é menos patente na instituição e na sua superintendência do que no enigma de muitos de nós caírem na situação que conduz ao albergue. Poder-se-ão encontrar muitas e interessantes explicações para esses casos, de natureza psicológica, sociológica, económica ou política. Todas elas parecem falíveis e, na verdade, risíveis. A mendicância, a pobreza visceral, o ser sem-abrigo, todas essas figuras parecem ser emanações metafísicas que manifestam com crueza a dimensão das nossas fantasias sobre o mundo. Entardece.
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