Hoje já caminhei quase oito quilómetros. Devo estar a acumular quilometragem para os dias em que pouco ou nada me movo. Não sei, todavia, se isso será como aquelas promoções em que se acumulam pontos que, depois, podem ser trocados sabe-se lá por quê. Quando saí de manhã – embora já não fosse tão de manhã quanto isso – o céu estava completamente nublado, mas, ao chegar a casa, ele brilhava liberto do véu das nuvens. Mais tarde fui a uma esplanada numa ilha que, na verdade, é uma península. A realidade é feita destas incongruências. A ordem do mundo não passa de uma desordem. Aquilo a que chamamos cosmos é um caos. E quando o caos aparece disfarçado de ordem, logo surge quem torne patente que não nos devemos iludir. Basta dar uma vista de olhos pela comunicação social, essa mensageira do caótico. Talvez não devesse assim classificar esses órgãos que velam noite e dia para nos manterem informados. Quando eu era novo e ingénuo, a informação era creditada como uma porta para a verdade e esta seria o combustível para um agir moralmente correcto. Eu acreditava em tudo isso, talvez por ser novo, talvez por ser ingénuo, talvez por ser idiota e pronto a crer no que me diziam. Hoje já não creio no que me dizem. Fiquei curado de ser novo (uma doença que passa depressa), eventualmente, de ser ingénuo e, apesar de ser desconfiado relativamente ao que me dizem, não é pacífico que tenha ficado curado da idiotia. Esta é um mal que tem muito de incurável. Hoje, no molhe, havia muitos pescadores. Como é habitual, não vi, durante a minha travessia, nenhum que tivesse apanhado um peixe. Julgo mesmo que eles só vão para ali para mostrarem as canas de pesca e mergulharem os anzóis na água fria do mar, enquanto o tempo passa e não é horas de ir para casa. Talvez sejam pescadores amigos dos peixes. Imagino. Isso reconcilia-me com o caos que o cosmos é. Agora, vou acabar de ler um ensaio sobre o velho Sigmund Freud, personagem que deveria saber alguma coisa do caos.
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