O teólogo metodista argentino Pablo Rubén Andiñach começa a introdução à sua obra El Libro del Éxodo com a seguinte proposição: Todo o texto é um enigma a decifrar. O espantoso é a inexistência de um adjectivo que restrinja a amplitude da afirmação. Poderia ser por exemplo todo o texto sagrado, ou todo o texto bíblico, ou todo o texto literário. Não é isso, porém, que Andiñach diz. Qualquer texto é enigmático. Imaginemos um texto trivial: passa pelo supermercado e traz limões. É um texto, logo, segundo a proposição exposta acima, é enigmático e precisa de ser decifrado. Coisa que qualquer um de nós achará ridícula. No entanto, só podemos imaginar que um texto como passa pelo supermercado e traz limões não é enigmático porque estamos na posse da cifra que permite decifrá-lo. Uma pessoa, mesmo sem sair da trivialidade e apesar de entender o texto, pode perguntar: qual supermercado e quantos limões? Ou então, quando deverá passar pelo supermercado? O carácter enigmático de qualquer texto reside na sua autonomia relativamente ao momento da sua produção. Ficam ali aquelas palavras que, por mais que as interroguemos, dirão apenas o que lá está. O que lá está é, pelo menos, duplamente cifrado. Representa a cifragem da intenção de quem o escreveu e a cifragem do texto abandonado a si mesmo, limitado por aqueles elementos que o constituem. Em vez de escrever estas palermices poderia estar a ver a corrida da Fórmula E, que está a passar num canal desportivo, uma competição em que os carros são eléctricos. Isso tem um tremendo impacto na musicalidade do automobilismo. Enquanto na Fórmula 1, os carros roncam poderosamente, na Fórmula E, zumbem como insectos gigantes ou balas à procura do seu alvo. O que se pode perguntar é se o roncar de uns e o zumbido de outros será transformável em texto que mereça ser decifrado. Há uma grande preocupação musical com a linguagem dos pássaros, mas deveríamos também dar atenção à linguagem dos objectos. Comporão, por certo, textos enigmáticos à espera do decifrador certo. Hoje acaba Abril e a minha imaginação continua sem dar sinais de melhoras.
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