O poeta Rui Cóias, em A Ordem do Mundo, começa o poema 15 com o seguinte verso: Nada existe que não tivesse começada. E se esta declaração fosse falsa, se existissem coisas que não tiveram começo? Não serão começo e fim apenas a confissão de que nós, seres humanos, não conseguimos compreender a realidade? Se todas estas divisões entre seres, das quais nasce a crença de que uns são a causa de outros e, por isso, tiveram um começo, não passar de uma ilusão a que somos conduzidos pelos limitados poderes de compreensão com que fomos dotados? Se fosse poeta talvez começasse um poema com o seguinte verso: Tudo o que existe não tem começo nem fim. Isto colocaria o leitor perante uma perplexidade. Esta, porém, não clama para que se demonstre a verdade ou a falsidade do verso, mas que se entre dentro dele e, ao mesmo tempo, se se deixe contaminar por ele. Um verso não é uma proposição lógica. Será mais parecido com um Koan, da tradição Zen. Ele não será, em última análise, acessível à razão. Caso seja assim, talvez o verso de Rui Cóias não diga aquilo que a razão nele lê e, por isso, não seja diferente daquele que eu escreveria caso fosse poeta. Como se vê, o sol desta quarta-feira não me terá feito bem. Ou talvez a missão que tive de cumprir esta amanhã me tenha predisposto para meditações falhas de sentido. Foi uma daquelas missões cujos resultados são nulos, mas que mantêm as pessoas ocupadas, enquanto a terra gira à volta de si mesma e volteia em torno do Sol, e este se desloca pelos espaços siderais, levado num dos braços da nossa galáxia. Princípio e fim serão apenas percepções nossas para darem um aspecto dramático à vida. Amanhã será Quinta-Feira de Endoenças.
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