segunda-feira, 14 de novembro de 2022

A tentação da profecia

Um bom profeta é aquele que se inibe de profetizar sobre o futuro. Se já é difícil fazer profecias sobre o presente e o passado, mais difícil é fazê-las sobre aquilo que há-de vir. Ocorreu-me tudo isto ao ler um certo pensador que não se eximiu de descrever um quadro de possibilidades e de impossibilidades. Nem as possibilidades se realizaram, nem as impossibilidades deixaram de acontecer. Sobre o que acontecerá nos negócios humanos o mais indicado é manter um prudente silêncio. Ora, a prudência, apesar dos panegíricos feitos em sua honra ao longo dos séculos, nunca foi virtude que se cultivasse. No coração dos homens há uma inclinação para o excesso que os impele para o mar revolto, onde confundem a realidade com as paisagens fantasmagóricas do seu desejo. As acácias da praceta atingiram o ponto em que, nas suas folhas, o amarelo se sobrepõe ao verde, coexistindo ambos numa harmonia que tempo acabará por destruir. Como se vê, também este narrador tem alma de profeta, embora a profecia se funde na observação do carácter cíclico da natureza, o qual não assegura que a profecia se realize necessariamente. Penso muitas vezes que a segunda-feira não é dia propício para escrever, pois raramente me ocorre alguma coisa que valha a pena narrar. Passam das cinco da tarde e os cavalos da noite já galopam na planície. Não tarda, eles ocuparão a cidade que se defenderá das trevas com a luz lugubremente amarelada da iluminação pública. Nova profecia.

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