Fizeram-me, hoje, notar que tenho um comportamento de velho. O caso é simples. Como tinha compras para fazer e ontem não as tinha feito, hoje levantei-me cedo e resolvi o assunto a horas bem razoáveis. Razoáveis para mim, não para outros, claro. Nestas coisas, o perspectivismo e o relativismo são aceitáveis. Noutras, nem pensar. Seria absurdo, por exemplo, aceitar que para uns a Terra pode ter uma configuração mais ou menos esférica e para outros ela ser plana, e que ambos os partidos estariam na verdade, que tudo dependeria da perspectiva. O melhor, porém, é não me meter por estes caminhos, pois são quase tão tortuosos quanto os caminhos da política, se não mais. Está um domingo deslavado de província. Uma luz solar anémica, uma tarde sem fulgor. Nas ruas, passam rumorosos automóveis, passam gentes entediadas, perdidas, sem saber o que fazer destas horas livres. A liberdade sempre foi um grande peso e as pessoas atrapalham-se com ela, trocam mãos e pés e acabam por sentir saudades das cadeias que as prendem à estrita necessidade. Tinha razão Sartre naquela ideia de o homem estar condenado a ser livre. Muitos sentem a liberdade como uma condenação. Reparo agora que o padre Settembrini não me ligou, como costuma fazer aos domingos de manhã. Terei de investigar as causas, pois tudo o que acontece e o que não acontece terá a sua causa. Umas coisas terão causa para acontecer e outras terão causa para não acontecer. Isto significa que existem muito mais causas do que coisas que acontecem. A luz desmaiada do dia está a levar-me por maus caminhos. Será mais sensato continuar a beber o chá de gengibre, sempre me ajudará na digestão dominical, em vez de me entregar a perorações sem sentido. Diga-se, em abono da verdade, que a legião de coisas sem sentido é muito maior que a das coisas com sentido. O telemóvel está a tocar. Não, não é o padre Lodo. É uma neta. O que me quererá ela?
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