sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Epitáfios

No livro do poeta Jorge Gomes Miranda, A Última Pedra (2022), existem três breves citações em epígrafe. Uma de Eliot, every poem is an epitaph. Outra de Auden, breaking bread with the dead. Por fim, uma de Genet, offerte à l’innombrable peuple des morts. Fico sempre perplexo com a existência de epígrafes. Parecem funcionar como uma cobertura de autoridade ao que se vai ler. Das três, pelo menos hoje, prefiro a de Eliot. Há nela um critério para separar poemas de não poemas. Se cada poema é um epitáfio, então o que não for um elogio fúnebre não será poema. Poder-se-ia radicalizar a posição de Eliot e afirmar que cada poema é um requiem. Do elogia passar-se-ia para uma função soteriológica da poesia. Em vez do panegírico dos mortos, um pedido de salvação. O conjunto dos mortos – a quem se elogia ou por quem se celebra o requiem – não será composto apenas por seres humanos. Qualquer ser pode desencadear um poema, mesmo os mais insignificantes. Também a classe dos eventos é propícia a que se escreva poemas. É possível, porém, que nem Eliot acreditasse que cada poema é um epitáfio, mas terá achado que a junção das palavras poema e epitáfio compunha uma bela metáfora, que a predicação impertinente de epitáfio ao sujeito poema era um óptimo achado, que a verdade literal do que está dito é irrelevante. Por mim, deveria, porém, falar do poeta português. O quinto e último poema de um pequeno ciclo com o título CEMITÉRIOS diz: A própria terra / se pudesse / usaria máscara. / Protegia-se / de nós. Será que a terra não usa máscara? Pensei. Se a terra não usa máscara, se nos oferece o rosto despido, então para que servirá a poesia? Não é ela o rasgar da máscara com que a terra cobre o rosto? Hoje é sexta-feira. Choveu, ao contrário do que profetizavam os sites meteorológicos. Também eles se deixam enganar pela máscara com que a terra se cobre.

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