Um belíssimo aguaceiro. O
vento Sul inclina a água, dá-lhe energia e uma aparência perfurante. Reparo que
os alunos da escola aqui ao lado marcham sob o aguaceiro sem chapéu-de-chuva.
Talvez as novas gerações achem o artefacto dispensável, uma parca com capuz
pela cabeça bastará para enfrentar os desígnios dos céus, mesmo em dias irados
como o de hoje. Trovejará, sou informado. Nos tempos mortos, leio o livro do
filósofo Michael Sandel, Contra a Perfeição – Ética na Era da Engenharia
Genética. Agrada-me a sua argumentação contra a manipulação genética para
aperfeiçoamento humano, mas duvido que a imoralidade arguida seja suficiente
para evitar que caminhemos para aí. Imaginemos dois mundos possíveis. O mundo A
em que, por motivos morais, a espécie humana proscreve o uso da engenharia
genética para melhoramento dos seres humanos. O mundo B é uma edição exacta do Admirável
Mundo Novo, tal como Aldous Huxley o concebeu. Estou convencido de que o
mundo B é muito mais provável de ser o futuro do que o A. Isto significa que
não apenas melhoraremos uns, como, caso seja necessário, pioraremos outros.
Isso já é feito há muito, mas de uma forma artesanal, digamos assim. Com o
recurso não à selecção genética, mas à social. Como a selecção social não nos
incomoda a consciência, também o facto de elevarmos o nível de eficácia diferenciadora
não perturbará muita gente. Aquela ideia nascida com o cristianismo de que
todos os homens são iguais perante Deus sempre perturbou uma quantidade
assinalável de seres humanos, muitos deles cristãos. Dentro do homem já nasceu
o desejo de introduzir, na própria espécie, diferenças tais que dela surjam
várias espécies que, de preferência, não se possam misturar. Isso ainda não
será possível, mas a porta está aberta para a chegada dessa possibilidade. A
chuva parou e com ela os meus pensamentos mórbidos sobre a bondade dos homens.
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