terça-feira, 8 de novembro de 2022

Pensamentos mórbidos

Um belíssimo aguaceiro. O vento Sul inclina a água, dá-lhe energia e uma aparência perfurante. Reparo que os alunos da escola aqui ao lado marcham sob o aguaceiro sem chapéu-de-chuva. Talvez as novas gerações achem o artefacto dispensável, uma parca com capuz pela cabeça bastará para enfrentar os desígnios dos céus, mesmo em dias irados como o de hoje. Trovejará, sou informado. Nos tempos mortos, leio o livro do filósofo Michael Sandel, Contra a Perfeição – Ética na Era da Engenharia Genética. Agrada-me a sua argumentação contra a manipulação genética para aperfeiçoamento humano, mas duvido que a imoralidade arguida seja suficiente para evitar que caminhemos para aí. Imaginemos dois mundos possíveis. O mundo A em que, por motivos morais, a espécie humana proscreve o uso da engenharia genética para melhoramento dos seres humanos. O mundo B é uma edição exacta do Admirável Mundo Novo, tal como Aldous Huxley o concebeu. Estou convencido de que o mundo B é muito mais provável de ser o futuro do que o A. Isto significa que não apenas melhoraremos uns, como, caso seja necessário, pioraremos outros. Isso já é feito há muito, mas de uma forma artesanal, digamos assim. Com o recurso não à selecção genética, mas à social. Como a selecção social não nos incomoda a consciência, também o facto de elevarmos o nível de eficácia diferenciadora não perturbará muita gente. Aquela ideia nascida com o cristianismo de que todos os homens são iguais perante Deus sempre perturbou uma quantidade assinalável de seres humanos, muitos deles cristãos. Dentro do homem já nasceu o desejo de introduzir, na própria espécie, diferenças tais que dela surjam várias espécies que, de preferência, não se possam misturar. Isso ainda não será possível, mas a porta está aberta para a chegada dessa possibilidade. A chuva parou e com ela os meus pensamentos mórbidos sobre a bondade dos homens.

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