Mais do que os acontecimentos trágicos que marcam Édipo Rei (melhor, Édipo Tirano) foi o destino de Antígona que, no fim da adolescência, me acendeu a imaginação e, porventura, o sentimento. Talvez esse incêndio tenha desencadeado a busca de razões e tornado manifesto, sem que eu então o percebesse, que a razão, essa diferença aparente que nos separa dos outros animais e que exibimos com muito orgulho e não menor desfaçatez, que a razão, dizia, encontra os seus fundamentos não em si, mas nessas águas turvas da imaginação e do sentimento. Tudo o que é claro e transparente nasce do obscuro e opaco. Obscuridade e opacidade são o ponto de partida e, não poucas vezes, o de chegada de quem se atreve a fazer uma caminhada para fora do território tenebroso de onde extrai a sua existência. Todas estas considerações não são da minha lavra, pobre de mim. Foram proferidas há muito, numa daquelas reuniões informais que juntava gente que se conhecia à volta de uma mesa, onde não faltava o pão e o vinho, embora o pão fosse uma designação metonímica, onde se tomava a parte pelo todo. O autor da tirada, o meu querido amigo Xavier, estava particularmente eloquente. Era, na verdade, uma eloquência culposa e instrumental, como mais tarde reconheceu. A razão tinha um nome e, mais do que um nome, um corpo e uma alma de mulher. A presença quase diáfana de Eduína perturbara-o e abrira-lhe o pensamento para a especulação. Esta é, ou era, uma estratégia muito em voga entre os machos da espécie, usar o discurso para perturbar o coração ou incendiar o desejo de quem, com a sua presença, perturba o nosso coração ou incendeia o nosso desejo. Ela, porém, manteve-se imperturbável com as façanhas atlético-espirituais do meu amigo, o que o deixou ainda mais perturbado, como, anos depois, me confessou. Eduína passou a noite a falar com alguém com quem ainda tinha laços familiares remotos, como, inesperadamente, descobrira logo no início da noite. O afastamento desses laços foi, contudo, um motivo de aproximação. É possível que nem tenha dado pelas proezas retóricas que a sua presença desencadeara.
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