Devia beber água, penso. Tenho duas garrafas cheias na secretária, mas a vontade de as usar é nula. Consta que beber não sei quantos litros por dia faz bem à saúde, mas tenho um problema com a teoria. Não há acordo sobre o número de litros que têm um efeito benéfico, nem se a água contida nos alimentos ingeridos conta. E, caso conte, como poderei saber qual a sua quantidade em cada um dos alimentos, tendo ainda em conta se são frescos ou cozinhados. Também não é claro se existe um rácio entre litros de água e peso, ou litros de água e altura. Seja como for, saber tudo isto exigiria entrar em cálculos tais que acabariam por me secar a existência. O mais sensato será beber quando tenho sede. Se isso chega ou não, reconheço a minha ignorância. O mundo está cheio de teorias destas, que alguém se lembra de pôr a circular na internet. Ocorre-me que talvez existam dois tipos de pessoas que dão origem a esta literatura moral. Umas fazem-no com piedosas intenções. Querem contribuir para o bem da humanidade e, se pudessem, tornar-nos-iam a todos imortais à conta de beber água, chás, infusões, comer isto e aquilo, fazer exercício, meditação e tudo aquilo que a imaginação seja capaz de forjar. Outros, desconfio, inventam estas coisas para se divertirem, como quem lança boatos porque não tem nada para fazer. Vi, na na benévola rede que a todos liga, um livro com o extraordinário título Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficientes. Nos dias que correm, quem não quer ser altamente eficiente? Fiquei entusiasmado. Comprava o livro e deixava de ser, após duzentas páginas, o ineficiente que sou, para me tornar um exemplo de eficiência. Valeu-me ter acesso ao índice. Logo o primeiro hábito me pareceu desadequado: ser proactivo. Em primeiro lugar, acho a palavra horrorosa. Não sei a razão, mas faz-me lembrar probiótico. Depois, desconfio que muitos dos males do mundo – e estes não são poucos – têm origem em pessoas proactivas. Não houvesse tanta gente a sofrer de proactividade, também não haveria tanta subjugada à reactividade. Caso no paraíso a serpente não fosse proactiva e o pobre casal que lá vivia reactivo, ainda hoje estaríamos a gozar das delícias do Éden. Dito de outra maneira, ser proactivo não me parece uma virtude, mas o começo de todos os males. O que achei, porém, mais estranho nos hábitos foi o sétimo, que tem por título Afinando o instrumento. Que instrumento será esse, perguntei-me, que precisará de afinação. Evito fazer divagações, até porque se o primeiro e o sétimo hábito não fossem razão suficiente para não querer ser eficiente, haveria ainda o sexto: sinergizar. Só a palavra me dá vómitos, convulsões. Decididamente, se não fui eficiente até aqui, bem posso continuar docemente embalado na minha ineficiência. Não me obriguem, por favor, a sinergizar. Prefiro beber dois litros de água ou mesmo três.
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