Ontem mostraram-me uma fotografia com cerca de cinquenta anos. Era um torneio de Xadrez, viam-se diversos jogadores frente aos respectivos tabuleiros. No meio da fotografia estava alguém que tinha um certo ar de família. Perguntaram-me se eu era aquele. Fiquei perplexo porque não soube o que responder. Há várias razões para dizer que sim. Naquela idade, jogava Xadrez, aquela pessoa é parecida comigo, com aquilo que eu era naquela época, o perfil do rosto, o cabelo. Há também razões contra. Não me lembro de alguma vez ter estado naquele lugar a jogar Xadrez. É um sítio que vim a conhecer, penso, mais tarde, uma dúzia de anos depois, e nunca o liguei ao Xadrez. A camisa ou pólo não me recordaram nada que eu vestisse na época. Os óculos, naquele tempo usava óculos no dia-a-dia, também não os identifiquei. Fiquei perplexo por dois motivos. Se sou eu que estou na fotografia, como é possível que não me reconheça? Se não sou eu, quem será essa pessoa que era tão parecida comigo, pelo menos de perfil, e como eu jogava Xadrez? Hoje, o assunto assaltou-me uma e outra vez e não consigo ter uma certeza. Imaginemos que aquela pessoa dava pelo mesmo nome pelo qual respondo. Tudo apontaria para que fosse eu, mas este hiato na memória pode sugerir uma outra coisa. Eu era aquela pessoa, mas entre ela e eu estabeleceu-se uma cisão tal que nos tornámos em duas pessoas que já não se reconhecem entre si. Ele, porque ficou preso no papel da fotografia e eu porque não sei, ao certo, quem ele é. Cada vez que rememoro a minha existência nessa época longínqua em que jogava Xadrez, nunca me encontro naquele lugar, que na época, juraria, nem sabia que existia. Um enigma.
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