sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Apetrechadas de asas

No canto XI, da Odisseia, Homero escreveu: Reconheceu-me a alma de Aquiles de pés velozes, neto de Éaco, / e chorando dirigiu-me palavras apetrechadas de asas. O segundo verso mostra a amargura de Ulisses com a sua sorte. Chora, mas mesmo assim as suas palavras são apetrechadas de asas. Elas não apenas voam, como são elevadas. As palavras voam de uma boca que as proferes para uns ouvidos que as escutam, mas a dimensão volátil talvez seja a menos importante na expressão metafórica usada, pois isso é o que acontece em qualquer situação de comunicação linguística. Ora o que distingue as grandes palavras das pequenas, é a capacidade de umas se elevarem, enquanto as outras voam baixo, um voo raso, perto do chão. Há nos gregos um culto desmedido das grandes palavras, dos discursos elevados, dessa capacidade de as palavras se elevarem, ao sair da boca de quem as profere, e dizerem um mundo que só do alto se observa: Filho de Laertes, criado por Zeus, Odisseu de mil ardis, / homem duro! Que coisa ainda maior irás congeminar? / Como ousaste descer até ao Hades, onde moram os mortos /sem entendimento, fantasmas de mortais estafados? A citação parece contrariar esta ideia de as palavras se elevarem. Ora, Aquiles fala dos mortos que não possuem entendimento, fantasmas de mortais estafados. Ao fazê-lo, ele que está morto e habita o Hades, exceptua-se dessa condição e pelas suas palavras mostra possuir entendimento. São as suas palavras que, ao elevarem-se, o raptam da condição da mortalidade dos homens comuns. Não é a velocidade dos seus pés ou a coragem no campo de batalha que o elevam, são as palavras que, ao erguerem-se e voarem para Ulisses, o erguem acima da condição mortal de todos os mortos.

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