quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Moda

Robert Musil, o escritor de O Homem Sem Qualidades, acreditava que a fealdade não impede a moda de surgir. Escreveu isto num ensaio de 1931, “A Moda”. A certa altura, com o pretexto de exemplificar essa fealdade, escrevia e as saias curtas de mulher igualmente usadas até há pouco representavam, para uma observação imparcial, a repartição mais desfavorável da figura feminina que imaginar se possa, uma vez que se gerava um rectângulo elevado assente em duas pequenas andas curtas. Saliente-se que por saia curta o autor considerava a saia pelos joelhos. Como pôde ele ler a parte visível das pernas das mulheres como duas andas curtas? A apreciação estética que faz é fruto de um hábito e de preconceitos sobre o que se deve vestir e o que se deve mostrar – ou ocultar – no corpo da mulher. Ninguém da minha geração pensaria as pernas desocultadas de uma mulher como um dispositivo artificial tipo andas. Quando Musil escreve que a fealdade não impede a moda de surgir, talvez devêssemos compreender as coisas de uma outra maneira. Toda a moda se funda numa manifestação da beleza. Aqueles que a pensam como feia apenas não conseguem perceber o que de belo nela se manifesta. A moda estaria, deste modo, ligada à transmutação dos valores estéticos e, por isso, ela é sempre reservada a uma pequena vanguarda. Isto permite ir mais longe na especulação. Aquilo que é belo não apenas é difícil, como pensava Platão, mas tem em si um princípio de inquietação que conduz a contínuas metamorfoses, as quais são apreendidas, por instantes, pela moda, para logo se transformarem, esperando que a moda as capte numa nova imagem do que é belo.

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