Não é devido à qualidade da escrita – que é desmesurada – que vou citar
Flannery O’Connor, mas por uma motivação lateral à literatura. Quase no início
de O Céu é dos Violentos, diz-se O seu tio ensinara-lhe Contas,
Leitura, Escrita e História, a começar em Adão expulso do Jardim e seguindo por
aí abaixo, passando por todos os presidentes até Herbert Hoover, e avançando
especulativamente até à Segunda Vinda de Cristo e ao Dia do Juízo Final.
Este tio era profeta e talvez devêssemos olhar para os próprios historiadores
como profetas. Fazem profecias sobre o que se passou. O tio profeta não apenas
profetizou acerca do futuro – ou do fim do futuro, para ser mais preciso – como
profetizou sobre o passado, a história de Adão e a expulsão do paraíso.
Dir-se-á que os historiadores, não têm no seu bornal metodológico a profecia,
que se atêm aos factos e isso é diferente das especulações sobre o início da
humanidade e o fim da mesma humanidade. Ora, o grande problema é que os factos
são mudos, não dizem nada, não usam língua gestual ou comunicam através de
sinais de fumo ou de maquinetas que usam o código de Morse. Perante a mudez
factual, os historiadores, dissimuladamente, sacam, de um compartimento
escondido no dito bornal, a profecia e, movidos pelo Espírito Santo, põe-se a
profetizar sobre o passado. Isto coloca um problema teológico que me apresto,
para ajuda da humanidade, a resolver. O problema é o seguinte: como entender
que diversos historiadores, perante os mesmos factos mudos e movidos pelo mesmo
Espírito Santo, profetizam coisas diferentes? A explicação é mais simples do
que pode parecer. Os diversos historiadores têm graus diferentes acuidade
auditiva ou, para ser mais claro, diferentes níveis de surdez. O que é dito é o
mesmo a todos, mas cada um ouve o que pode. Este é o meu contributo, sem preço,
para deslindar um tomentoso problema teológico e, também, epistemológico. Sobre
factos mudos, profetizam historiadores surdos.
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