Num comentário a um longo romance de Fiódor Dostoiévski, alguém – um leitor ingénuo, por certo – escreve que as primeiras cem páginas são difíceis, mas, depois, chega a acção a sério, aquela que capta a atenção do leitor. E esse comentador terá as suas razões. O romance, tal como o compreendemos hoje, é uma invenção da modernidade europeia, essa modernidade que decretara que a acção se sobrepunha à contemplação. O importante não é aquilo que o homem pensa ou observa de modo desinteressado, mas o que faz. O romance narra esse agir humano e os leitores, tomados pelo espírito moderno, não compreendem que um romancista – seja Dostoiévski ou Eça, o Eça de Os Maias – se entregue a longas descrições que pressupõem um espírito capaz de se abstrair do que se move para contemplar aquilo que está aí e parece permanecer. Os modernos precisam de mergulhar na acção, talvez como refrigério por não saberem o que fazer, neste mundo, da alma que lhes coube em sorte. Há muitos anos, na década de oitenta no século passado, quando foi exibido aqui, nesta cidade onde me acolho, o filme de Akira Kurosawa A Sombra do Guerreiro, o programador local agendou-o para uma sessão de um sábado à noite. Estranhei a opção e ainda mais estranhei o facto de a sala, com uma lotação para mil espectadores, estar cheia. Programador local e público pensaram estar perante um filme de guerra ou de artes marciais. Sentia-se a decepção dos espectadores pela ausência de acção, pela natureza contemplativa que percorre o filme. Houve uma explosão quando foi exibida uma batalha bem activa. Isto são memórias com mais de 40 anos e há muito que não revejo o filme. Talvez seja uma boa ideia para a noite deste domingo, onde, na verdade, não espero qualquer acção. Melhor, onde dispenso qualquer acção.
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