quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Aleijados

Em Sombra, o último livro de poemas de Maria Andresen, há dois poemas com referências ao último filme de Ingmar Bergman, Saraband. Em ambos surge Henrik, filho de Johan, mas não é referido o conflito intenso entre pai e filho. Há um momento, após uma tentativa falhada de suicídio de Henrik, em que este procura o pai e este diz-lhe que nem aquilo (o suicídio) foi capaz de realizar. Maria Andresen prefere a constatação de Henrik … sinto uma dor / constante, / sou um aleijado. O filme centra-se na relação de Johan (Erland Josephon) com Marianne (Liv Ullmann). Discute-se se Saraband é ou não uma continuação de Cenas da Vida Conjugal. Bergman defendeu que não. Ele é o autor, mas, como qualquer autor, a sua interpretação da obra vale tanto quanto qualquer outra, pois aquilo que está em causa não são as intenções que presidiram ao filme, mas o próprio filme. Voltando atrás, se o filme se centra na relação, após 30 anos de separação, entre Johan e Marianne, a tensão entre pai e filho é obsidiante. Que ilusões um pai alimentou acerca de um filho para que tamanho ódio nasce dentro dele? Talvez o pai fosse um aleijado e procurasse no filho o ser saudável que não era. Por aqui, está um começo de Agosto nublado e fresco. Julho entrou na vasta terra do nada. Fê-lo em silêncio, e o silêncio é toda a dignidade que resta a quem abandona a existência para entrar ali onde nada é ou sequer parece ser.

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