quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Derrelicção

Sem se dar por isso, duas semanas de Agosto estão cumpridas. Há uma estranha percepção sobre a duração. Duas semanas nos dias de hoje passam muito mais rapidamente do que duas semanas há sessenta anos. Isto coloca um problema interessante. Enquanto nos tornamos mais lentos, o tempo torna-se mais rápido. Imagino que a rapidez do tempo está na proporção inversa da rapidez do ser humano. Dito de outra maneira, quanto mais lentos nos tornamos, mais rápido é o tempo. Isto, claro, é uma ilusão, mas o que faríamos nós da vida se fôssemos destituídos de ilusões? Um dos erros perceptivos que sempre me fascinou foi aquele que ocorre quando se está sentado numa carruagem de um comboio parado na estação e o comboio ao lado começa a movimentar-se. O deslocar do último gera no observador parado a sensação de que é ele que se move. O pior é que agora estou parado no comboio da existência, enquanto a realidade galopa em direcção ao futuro, mas nenhuma ilusão me acode. Sinto que o mundo vai desencabrestado por aí fora e que eu fico irremediavelmente para trás, sentado num comboio parado a que nunca se dará o sinal de partida. As pessoas não caminham em direcção à morte. É a vida que avança e se esquece delas no caminho. É a isto que se chama derrelicção.

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