Sou um narrador pacífico e incapaz de uma narrativa que me eleve. Por vezes, cultivo o riso sobre mim próprio, mas talvez isso seja um truque para esconder a minha impotência narrativa. Há narradores cruéis. Usam as palavras como estiletes. Por exemplo, aquele que narra Os criados estão contratados sob os auspícios da segurança social e perderam muitas das suas fraquezas que Swift tão bem descreveu. São funcionários e não lacaios queixosos e cheios de manhas. Raramente são vistos senão à hora das refeições e ninguém pode dizer que é possível pedir os seus favores nas horas tuteladas pelo sindicato hoteleiro ou coisa assim. Mas têm o mesmo olhar vingativo e sonolento que avalia melhor o hóspede do que um despachante da alfândega faria. Onde está a crueldade? Na anulação do valor do trânsito do mundo que levou certas pessoas de lacaios queixosos e cheios de manhas ao estatuto de funcionário, protegido pela segurança social e pelo sindicato hoteleiro. De que vale ter mudado de estatuto, de deixar de ser lacaio e passar a ser funcionário, se se tem o mesmo olhar vingativo e sonolento? Este é um narrador cruel. Quando o Conde, uma das três personagens que animam os entretiens das Soirées de Saint-Pétersbourg, fala dessa figura tenebrosa do Carrasco, procura nela a grandeza própria, apesar da distância que todos os homens, perante ela, sentem dever manter. Quem leu a autora, percebe de imediato que este narrador cruel só poderia ter sido criado por Agustina Bessa-Luís. Talvez o narrador de Agustina lamente o fim dos lacaios e a magnífica escrita da autora sirva apenas como um requiem de um mundo que acabou, como acabou uma certa casa de família transformada em hotel privado, isto é, em turismo de habitação. Os mundos perdem-se no tempo e não há narrativa que os salve.
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