Logo de manhã irritei-me com a balança. Não gostei do peso que me devolveu quando a pisei. Talvez a tenha insultado, já não me recordo. Consultei os registos e descobri que, afinal, o caso não era para tanto. Um aumento de trezentos gramas, nem chega a ser um verdadeiro aumento. Talvez lhe tenha pedido desculpa, mas também não tenho a certeza. Concluí mesmo que, afinal, as férias nem foram devastadoras. Para celebrar essa não devastação ofereci-me uns livros. Um deles foi um romance da escritora austríaca Marlen Haushofer, A Parede. São 292 páginas de texto, com a particularidade de não terem cortes. Não há capítulos, pontos ou qualquer outra estratégia que permita ao leitor descansar. Na contracapa, encontra-se uma bela citação do romance: Por vezes, é como se a floresta começasse a ganhar raízes dentro de mim e usasse o meu cérebro para conceber as suas ideias ancestrais e eternas. Uma chamada. Um amigo do outro lado. Conversamos um pouco até que ele me diz que um outro amigo, fomos todos colegas de faculdade, está com pouco mais de cinquenta quilos, o que tendo em conta a altura dele é muito preocupante. Qualquer coisa nos pulmões se desarranjou e começou a multiplicar-se, segundo um algoritmo inadequado à condição humana. Haverá alguma esperança, oiço. Espero que sim. Começo a ficar cercado por pessoas em que qualquer coisa se desarranja e se multiplica segundo algoritmos inumanos. Não vale a pena uma pessoa irritar-se com a balança.
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