Abro ao acaso uma obra de Herberto Helder e leio A cerejeira é uma aparição, / a febre devora as macieiras, todas / as árvores se consomem de sonho. São construções vivas, focadas no silêncio, suspensas na luz. Penso que também sou uma aparição, mas ao contrário da cerejeira não me tocou o esplendor de florescer. E podia ainda pensar-me macieira febril ou imaginar que faço parte desse mundo vegetal e sou uma das árvores consumidas pelo sonho. Não sou também atacado pela febre ou por sonhos, dos piores, daqueles que se sonham acordado, suspenso não da luz, mas da inacção? Não é o silêncio a minha casa, a construção mais viva que ergui? Talvez eu seja uma árvore que se perdeu da floresta a que pertencia. Conheço casos, e não poucos, de pessoas que são anjos caídos na Terra. Outros, ainda mais numerosos, de homens e mulheres que deveriam ser um animal, um cão, um gato, mesmo um hipopótamo, mas que, por um equívoco, tomaram a forma humana. Não sei se sou um homem sonhado por uma árvore ou uma árvore que sonha ser homem. A ignorância tomou conta de mim e leva-me pela mão.
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