segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Castigos

Quando leio ou vejo as notícias sobre os incêndios que devastam parte do país penso que a revolta da natureza contra a nossa espécie é terrível e inexorável. A partir do século XVII, a civilização europeia assumiu uma dimensão prometaica. Convencemo-nos – e também parte do planeta – de que, guiados pela razão, pela ciência e pela indústria, atingiríamos neste mundo, através de um progresso crescente, a felicidade que a religião prometia para o outro. O símbolo desta crença que nos guia há três séculos é Prometeu, o titã que, na mitologia grega, desafiou os deuses ao roubar-lhes o fogo para o dar à humanidade. O castigo de Prometeu foi imediato, o dos homens diferido no tempo, mas parece mobilizar como instrumento de punição esse fogo que recebemos como dádiva suprema para nossa libertação do império dos deuses. Estes estão a vingar-se. Ora os deuses não são outra coisa senão a natureza que não suporta já a nossa dominação. Os desequilíbrios da meteorologia são o raio de um Zeus furibundo com a espécie dos mortais que decidiram pensar que são imortais e que tudo o que existe está aí apenas para servir os seus apetites. Gostaria muito de crer que a ciência e a tecnologia – uma encarnação do fogo de Prometeu, isto é, da razão – seriam suficientes para pôr as coisas nos eixos e que tudo acabaria por encontrar o caminho para uma vida normal. Cada dia que passa é uma razão a mais para não crer nesse mudar de agulha tranquila na vida dos homens. Não há quem tenha por missão pôr as coisas nos eixos ou endireitar o que está torto.

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