domingo, 15 de setembro de 2024

Preguiça

Um dia entregue à preguiça, um estado que teve – e ainda terá – má imprensa. Combinaram-se, para conspirar contra ela, uma transformação na ordem do mundo e o efeito de uma má tradução de um termo latino proveniente do grego. A passagem para os tempos modernos marcou a decadência da atitude contemplativa e a emergência, primeiro, do louvor à acção e, depois, ao trabalho, o que levou Ernst Jünger a dedicar uma obra à figura metafísica do trabalhador. A má tradução tornou a acédia em preguiça e fez entrar esta no rol dos pecados mortais. Os monges do deserto usaram a palavra acédia para designar a falta de cuidado com a vida espiritual. Trata-se de um estado de alma que leva ao torpor do espírito, a um fechamento sobre si do monde, uma não abertura à Graça. Tomás de Aquino, muito depois, integrou-a na lista dos pecados capitais e fez dela o fundamento de todos os outros. A tragédia dá-se na tradução de acédia por preguiça, o que alargou o âmbito do estado pecaminoso. Aquilo que dizia respeito a uma atitude do espírito contaminou o domínio do corpo. A partir destes dois acontecimentos a diligência tornou-se a norma e a preguiça o desvio não apenas vicioso, mas mortal. Foi a isto que entreguei o meu corpo e o meu espírito neste domingo, para além de ter ido almoçar com parte substancial da família. Curiosamente, a preguiça, contrariando a visão de Tomás de Aquino não desencadeou a gula, tendo-me contido, não vá a balança sair por aí desencabrestada aos saltos.

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