Retorno a uma referência anterior, a Gilles Lipovetsky e um título musical de um livro que está na fronteira da Filosofia e da não Filosofia, A Sagração da Autenticidade. A natureza musical deste título deve-se a um empréstimo ao bailado de Igor Stravinsky A Sagração da Primavera. Esta é uma peça musical – e de dança, um bailado originalmente produzido por Sergei Diaghilev e coreografada por Nijinsky – que, durante uma parte da minha vida, considerei como o começo musical do século XX, embora a sua estreia tenha ocorrido em 1913. Nessa altura, considerava que o século XX musical terminava com a terceira sinfonia de Henry Górecky, composta em 1976. Roubava 37 anos ao século, mas sentia que as coisas eram assim. Passei muitas tardes a ouvir a Sagração da Primavera seguida da terceira de Góreky. Há muito que não o faço e deixei de ter qualquer ideia sobre o começo e o fim do século XX musical. Ora, o título do livro de Lipovetsky é uma clara citação da tradução inglesa da peça de Stravinsky, que no original russo parece denominar-se A Fonte da Primavera. Hoje recolhem-se todas estas informações em segundos, desde que se saiba aquilo que se quer perguntar. Ora, sagrar a autenticidade é sagrar um equívoco. O que é ser autêntico? É, ao mesmo tempo, ser sincero – ser uma expressão sincera de si mesmo – e ser autor, autor de si. Por norma, pensamos a sinceridade como expressão espontânea, natural e não fabricada de si, mas isso choca com a autenticidade de ser autor de si, pois esse si já não é espontâneo, mas uma fabricação, ou, melhor, uma ficção. Talvez, e isso salvará o título de Lipovetsky, tudo o que é sagrado o seja por ser equívoco, como o é, por exemplo, o Deus do Antigo Testamento, o Deus da ira e o Deus da misericórdia.
Sem comentários:
Enviar um comentário