quarta-feira, 26 de março de 2025

De vício a virtude

Está confirmado. Estamos na Primavera. O tempo hesita entre o frio e o calor. Isso tem repercussão sobre o meu corpo, mas guardo para mim as dores, pois são mais desagradáveis do que dolorosas. Estive a ouvir o antropólogo e historiador francês Emmanuel Todd sobre a relação entre as formas de família e os regimes políticos. Estes são, de alguma maneira, uma emanação do modo como as famílias se organizam. Estas transportam em si valores culturais e políticos, que se manifestam na organização dos Estados. Todd põe em causa a ideia de um regime universal, isto é, idêntico em todos os lados. Quando determinadas potências tentam transferir regimes políticos para outras paragens, por norma não são bem sucedidas, pois não têm em conta aquilo que ele denomina por inércia antropológica. Bastava esta expressão para ter valido a pena ouvir o antropólogo francês. É verdade que temos também uma mobilidade antropológica, mas a inércia talvez seja mais persistente. Quando era lamentavelmente jovem e verde, habitava-me a mobilidade. Na adolescência, esse amor à mobilidade centrava-se nos grandes-prémios de Fórmula 1, nas míticas 24 Horas de Le Mans ou nas 500 milhas de Indianápolis. Era a minha forma de amar a mobilidade, sentado em frente ao televisor ou a ler as reportagens num jornal ou revista da especialidade. Isso, a mobilidade, teve, numa certa altura, uma tradução política, coisa que não vem para o caso. Olhando a partir dos dias de hoje, constato que as corridas de automóveis não me interessam há décadas, nem a tradução política da mobilidade, mas a inércia antropológica foi tomando conta de mim. Não, totalmente. Ainda caminho e, acima de tudo, mexo os dedos para digitar estes textos, mas a palavra inércia soa-me cada vez mais a virtude e cada vez menos a vício.

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