Alemão é uma das muitíssimas coisas que ignoro. Não vou, porém, escrever sobre o oceano infinito da minha ignorância, mas da minha possível adicção à compra de livros. Não sei bem a razão, mas tomei conhecimento da existência de um poeta alemão de nome Durs Grünbein. Agradou-me o que soube dele. Faço umas pesquisas e decido comprar – num livraria online de livros usados – cinco das suas obras. Todas em alemão. A minha expectativa é de ir traduzindo os poemas com recurso a essa demónio dos tempos modernos denominado inteligência artificial. A verdade é que a tarefa nem me parece estar a correr mal. Entre mim e o tal demónio estabelece-se um diálogo frutuoso que me permite não apenas compreender os poemas, mas chegar a traduções que me parecem interessantes. O demónio faz apenas uma primeira tradução literal, meramente funcional. A partir daí funciona como uma espécie de dicionário-gramática de largo espectro, com o qual discuto sobre o sentido das palavras e dos versos. O primeiro livro que estou a enfrentar denomina-se, em português, Porcelana. Poema sobre a queda da minha cidade. Os primeiros dois versos do primeiro poema dizem: Para quê lamentar-se por nascer tarde? Há muito desaparecera / A cidade-natal, amigo, quanto a tua pequena pessoa chegou. A cidade é Dresden. A porcelana do título remete de imediato para a fragilidade das coisas belas. A beleza de Dresden desaparecera dezassete anos antes do poeta nascer. Eclipsara-se nos bombardeamentos de 1945. A beleza antiga de Dresden é irrecuperável, como é a de Lisboa anterior ao terramoto de 1755. Contudo, há belezas que estão perdidas em línguas que nos são estranhas, mas os tempos modernos que trouxeram os aviões e os bombardeamentos aéreos também trouxeram esse demónio – melhor, esse daimon (δαίμων) – que nos permite, com paciência e humildade, encontrar a beleza que está enterrada nos escombros de uma língua que desconhecemos, pois qualquer língua desconhecida não passa, para o ser humano, de escombros de uma comunicação que se distorceu.
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