domingo, 16 de março de 2025

Causas perdidas

O domingo deslizou em silêncio, e eu, sonâmbulo, deixei-me levar sem que uma resistência tenha erguido contra o despudor do tempo. A luta seria inútil, dir-se-á. Sim, é verdade, mas talvez as únicas causas que mereçam a luta são as que estão perdidas. Pode-se fazer um esboço de taxionomia das causa perdidas. Estas podem ser classificadas em duas grandes categorias. As que estão possivelmente perdidas e as que estão necessariamente perdidas. Grandes são os heróis que triunfam nas causas que estão possivelmente perdidas. Mas que maior heroísmo existirá do que combater em causas que estão necessariamente perdidas? Combater o tempo é uma dessas causas necessariamente perdidas. Não se trata sequer de aniquilar esse inimigo, mas de o reter um pouco, atrasá-lo, evitar que o desenlace se aproxime na hora que Cronos lhe destinou. Mesmo este combate está necessariamente perdido. Fosse eu um herói, como o foi Heitor ao defrontar Aquiles, teria acordado do meu sonambulismo e erguido uma muralha contra o tempo, o seu despudor, a sua argúcia inexorável. Contudo, preferi ir caminhar, deixar-me levar pelas fantasias que a corrente de consciência não se detém em trazer-me, para que eu me esqueça desse inimigo mortal que não pára nunca de trabalhar. Não fui talhado no mármore dos heróis. É uma pena, mas também não fui que me talhei ou escolhi a matéria de que sou feito.

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