Fui
apanhado. Estás a falar com o espelho, escutei. Desmenti. Não que eu vi bem,
estavas a falar com o espelho. Silêncio. Ao desmentir não estava a mentir. Não
estava a falar com espelho. Estava envolvido num diálogo comigo. O facto de
estar em frente ao espelho foi um acaso. De há uns tempos para cá, dei por mim
em diálogos comigo mesmo. Toda a gente dialoga consigo mesma mas essa conversa
fica retida dentro de si, sem transparecer para o exterior. Fui apanhado. Não por
estar a falar com o espelho, mas por falar sozinho comigo mesmo. Vais
enlouquecer, ouvi. Talvez, repliquei. Ou talvez já tenha enlouquecido, atrevi-me
a informar. Para Platão, pensar é um diálogo interior e silencioso consigo
mesmo. O meu problema é que o diálogo interior e silencioso comigo mesmo está a
perder algumas características que me permitiam parecer saudável. Está a
exteriorizar-se e a tornar-se menos silencioso. Acabarei a falar sozinho pelas
ruas? Quem me garante que não o faço já? Estes diálogos interiores e
silenciosos que se exteriorizam e se tornam quase vocálicos são interessantes,
pois sucedem à volta de coisas que me preocupam ou que me irritam, ou as duas
coisas ao mesmo tempo. Nessas conversas comigo, o meu pobre ego é um
herói, impante, destemido, glorioso. O interlocutor – o si mesmo – é pouco
vocálico, parece perdido no discurso do ego, incapaz de o mandar calar.
Por vezes, consegue uma aberta e sublinha que o melhor é prestar atenção ao que
se está a fazer e, quando se está atento ao que se faz, não se fazem figuras
tristes ao falar consigo mesmo, pelo menos de modo a ser apanhado desprevenido.
A verdade é que gosto cada vez mais de falar comigo mesmo, e as conversas que
entretenho comigo são as mais exaltantes. Estou a exagerar, mas tenho uma certa
propensão para a hipérbole. Ora, falar consigo mesmo e ser hiperbólico não é cartão
de visita que se apresente. Talvez já não existam cartões de visita, uma coisa
extraordinária que houve em tempos, mas que nunca tive. Para me visitar,
basto-me eu. A conversa será animada e, se descambar em disputa, a minha
vitória está certa — também a derrota, mas o mundo está longe de ser uma coisa
perfeita. Talvez devesse experimentar falar com o espelho; a ideia nem é má. Entre
mim e a minha imagem especular há uma diferença tal que raramente reconheço naquele
simulacro um reflexo meu.
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