Bocejo. O pós-almoço tornou-se um tempo difícil. Também o dia se endificultou. Que pena não existir o verbo endificultar. Dificultar diz-nos que algo se tornou difícil, mas se lhe juntar o prefixo en- dizemos o processo pelo qual uma coisa – neste caso, o dia – se tornou difícil. Quando saí de manhã, o dia não estava difícil, nem para mim nem para ele. Havia luz solar e um suave calor acompanhava os passos perdidos dos transeuntes por ruas, praças e avenidas. Depois de almoço, a disposição mudou e foi aí que o dia começou a endificultar-se, enquanto eu ia bocejando. Céu cinzento, chuva, algum vento frio. Tudo dificuldades desnecessárias. O sábado decretou-se, assim, como tempo de confinamento. Talvez esteja com saudades daquela época, tão longínqua, em que nos confinávamos em casa por causa de um vírus. O melhor é deixar essa memória retida nos arrabaldes da consciência, isto é, no subconsciente. Tê-la aí é útil por dois motivos. Em primeiro lugar, evitamos andar com a consciência viva do que foi uma coisa pouco agradável. Depois, é melhor que essa memória esteja à mão no subconsciente do que recalcada no inconsciente, que era como se não existisse. Se precisarmos dela, com facilidade retiramos de onde está e a trazemos para a consciência, para a usarmos, em caso de necessidade. Continuo a bocejar, os olhos querem fechar-se, nenhuma ideia me ocorre, a não ser coisas sem sentido: invenção de palavras, associações espúrias, memórias avulsas. Quando bocejo, o pensamento torna-se uma assembleia de assuntos avulsos (eis a assonância em exercício), coisas que saltitam na consciência e cuja finalidade não descortino. O melhor é ir dormir uma sesta. Acabei de espirrar. Talvez me tenha constipado. Ou talvez esteja a sonhar que me constipei. Devia evitar o uso de talvez. Há que fingir que se tem certezas e que elas resistem aos assaltos da dúvida, por metódica que seja.
Sem comentários:
Enviar um comentário