Este texto é dedicado ao x e ao y. Não se pense, todavia, que se mobilizará uma bizantina discussão cromossomática sobre esse inusitado acontecimento do sexo feminino ser determinado por um par de cromossomas x, enquanto o masculino se compraz na combinação de x e y. Por certo, seria proveitosa qualquer meditação sobre a diferenciação que os cromossomas insistem em produzir no mundo ou, também, sobre o facto de o sexo se reduzir ao x e ao y, deixando todas as outras letras do alfabeto – e no português, as outras letras são 24 –, o que introduz no caso um princípio de exclusão que qualquer letra digna desse nome deveria afrontar. Como nada sei de genética e haverá coisas que me escapam, o meu x e o meu y pertencem a outro campo. A história é simples. O comando da televisão está decrépito e a entidade proprietária decidiu que ele se aposentasse. Aceitou, não sem contentamento. Na sequência, a dita entidade foi a um daqueles armazéns ou lojas – ou lá o que aquilo é – e pediu a um funcionário que, por estar distraído, foi apanhado pelo cliente. Em que posso ajudá-lo, ouvi. Preciso de um comando para a televisão, pois o que tenho vai ser aposentado, respondi. E qual a marca? A marca é x, disse eu, solícito e convicto. – Muito bem, lá ao fundo – disse, apontando – estão os comandos e encontra o que pretende. Os dessa marca têm uma caixa cor-de-rosa. Lá fui e, depois de uma troca de impressões familiares sobre funções, aplicações e canais, lá se trouxe um dispositivo com caixa cor-de-rosa. Chegado a casa, colocadas as pilhas, o comando recusa-se a fecundar a televisão. Azar. Há que ler as instruções. Vou buscar os óculos. Leio as instruções, sigo-as com rigor, uma, duas, três vezes e nada. No dia seguinte – isto é, hoje – voltámos em excursão familiar ao sítio onde se vendem comandos. Novo funcionário distraído. Ouviu com atenção o desaire e considerou que, sendo assim, perante uma televisão x que não se deixa penetrar por um sinal de um comando x, há que trazer a referência do televisor e programar – nos serviços técnicos – um comando apropriado, que não aquele. – Faça uma foto da referência do aparelho, aconselhou-me. Está na parte de trás do televisor. Chegado a casa, decidi cumprir a sugestão antes que me esquecesse. Fotografo com o telemóvel a referência, amplio e descubro que o televisor, afinal, é da marca y e não da x. Incrédulo, o núcleo familiar ri-se – um riso amarelo – e constata que nunca houve nesta casa um televisor da marca x. A conclusão de tudo isto é extraordinária: uma televisão da marca x não se deixa engravidar por um comando da marca y, o que seria a ordem natural das coisas. Para dar à luz uma imagem, a televisão y necessita de um comando, também ele, y. Não sei se os movimentos conservadores já deram pelo assunto, mas há aqui qualquer coisa de suspeito: a fecundação dos aparelhos só é possível por dispositivos com os mesmos cromossomas. Este texto pode ser visto como o contributo deste narrador – ou será do autor? – para o magno problema da sexualidade das máquinas na era da técnica.
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