Por motivos que não vêm ao caso, detive-me na leitura de análises sobre duas obras literárias distintas. O livro de poemas Quatro Quartetos, de T. S. Eliot, e o romance A Parede, de Marlen Haushofer. Ora, um dos pontos comuns na leitura analítica dessas obras é representá-las como críticas da modernidade. Esta crítica da modernidade é recorrente na literatura e noutras artes. Pode-se mesmo afirmar que se há um tema que percorre a arte moderna é o da crítica à modernidade. Esta crítica que é um exercício de lucidez, pois torna patente aquilo que os tempos modernos têm de limitado e mesmo de malsão, é ao mesmo tempo um exercício de cegueira. A modernidade é investida com um aura luciferina, que está muito longe de ser ajustada à realidade. O que os artistas e a militância antimoderna não percebem é que sem essa modernidade, esses artistas e esses críticos não seriam nada, não passariam de artesãos e pregadores, segundo uma ordem que jamais dependeria do seu livre-arbítrio. Antes dos tempos modernos, o que existia era a idade média. E aquilo que estamos a começar a descobrir nesta aurora dos tempos pós-modernos parece pior do que as piores visões que foram pintadas sobre esses tempo pré-moderno. É provável que no espírito de todos os abominadores dos tempos modernos exista uma fantasia: os benefícios que usufruem trazidos pela modernidade seriam possíveis sem que se tivesse de pagar por eles. Esta doce fantasia pode ser uma porta aberta – já está a ser, basta olhar com atenção para o perceber – para que se percam os benefícios e no seu lugar não seja posto nada de mais saudável do que a loucura colectiva ateada por incendiários.
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