quinta-feira, 27 de março de 2025

Nada

Acabei de chegar de uma caminhada, pequena, não vá ficar com uma preparação para as olimpíadas. Tornei-me um aristotélico inveterado. O lema é: nada em excesso! Escrito isto, pergunto-me se o uso do ponto de exclamação não será já um excesso. Não será o ponto de exclamação um extremo, que tem no outro lado do eixo o ponto de interrogação? O excesso de enfatização, de um lado, e o excesso de dúvida, no outro. O sinal gráfico aristotélico, por excelência, seria então o ponto. Nem a dúvida dos cépticos, que não param de colocar pontos de interrogação, nem a certeza exuberante dos fanáticos, que cultivam a exclamação. Isto significa que a afirmação nada em excesso! É já um excesso. Deveria ter escrito apenas: nada em excesso. Estava eu tão pronto para falar da minha moderada caminhada, do pecúlio de pontos cardio – aqueles que sobre os quais a OMS diz terem o poder de prolongar a vida, caso se atinjam 150 por semana –, das árvores que começam a florir, e eis que a minha mente, como um macaco enjaulado, me desvia, com um salto mortal, o pensamento para a questão da moderação no uso dos sinais de pontuação. Coisa que não interessa a ninguém, nem a mim próprio que, apesar do justo meio – ou da mediocridade, para ser mais exacto –, sou dado, em certo dia da semana, à hipérbole. Se se tivesse paciência e espírito de entomologista ou botânico, depressa se descobriria que o uso de figuras de estilo – ou tropos – varia conforme os dias da semana. Há dias específicos para se ser hiperbólico. Outros para usar metáforas. As sextas-feiras são-me propícias para os oxímoros. Também há dias próprios para as anáforas, bem como para as metonímias. Tudo usto entre segunda e sexta. Sábado e domingo são dias de descanso e as figuras de estilo também têm o seu direito ao repouso. Todo o discurso é, nesses dias, despido de desvio, quero dizer: uma procissão de catacreses, que é como quem diz metáforas mortas. Até ao último ponto final escrevi 332 palavras para dizer o que disse, isto é, nada. Mas não é este o destino da linguagem humana? Coloquemos o caso do seguinte modo. Imaginemos que Deus existe e usa a linguagem. Então, Deus diz laranjeira, e logo surge uma bela árvore carregada de laranjas. Eu digo laranjeira, e não surge nada. O que prova que não passo de um mortal com uma linguagem virada para nada.

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