sábado, 29 de março de 2025

Ir ao teatro

Mais logo, depois de jantar, irei ao teatro. Confesso que o apetite é nulo. Nem sei o nome da peça. Por vezes, temos obrigações, e as obrigações funcionam como um imperativo: obrigam. É o caso. Não que houvesse qualquer problema em faltar a essa obrigação, mas seria deselegante. Na verdade, trata-se de uma obrigação estética. Evitar ser deselegante com terceiros. Há a possibilidade desses terceiros nem darem por isso, mas é tarde, para mudar de ocupação neste sábado à noite. Sempre podia ficar em casa e dormitar em frente ao computador. Era uma opção razoável, mas menos elegante. Não tenho qualquer conflito com a arte dramática. Pelo contrário. Talvez um sábado de Primavera não seja o mais indicado para assistir a uma peça, ainda por cima a uma peça de que não sei o nome, tão pouco o autor. Não, não é Shakespeare, nem Sófocles ou Eurípides. Nenhum clássico antigo ou moderno. Nenhum clássico contemporâneo. Nenhum contemporâneo que possa tornar-se um clássico. A partir de certa altura da existência, comecei a cortar os laços sociais, o que me trouxe alguns benefícios, como a diminuição do número de eventos a que teria de ir por boa educação. Como se prova pela noite de hoje, esse corte foi apenas parcial. Serei um misantropo? Não. Não alimento qualquer ódio à humanidade, apenas uma consideração realista da sua natureza. Onde a aprendi? No lugar mais indicado para fazer essa aprendizagem: em mim. Em mim, vejo os outros. Nem comigo me desavim, ao contrário do que aconteceu com Sá de Miranda, mas olho-me com condescendência e é esse olhar condescendente que espalho sobre a humanidade em geral, enquanto penso que a realidade é aquilo que é e não aquilo que desejo. Fico sempre espantado quando oiço alguém dizer que não queria ser outra coisa. Penso longo que sofre de um défice acentuado de imaginação. Eu não sou aquilo que desejo, mas apenas o que sou. O meu desejo é infinito e o meu ser é finito. E é por causa dessa finitude que logo vou ao teatro.

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