Os dias incertos do final do Inverno repercutem-se na
indecisão que alastra nos passos dos transeuntes. Não sabem se o seu caminho é
o do sol ou se, daqui a instantes, a água derramar-se-á das nuvens como se a
arca de Noé estivesse pronta e um dilúvio viesse purificar a terra da maldade
humana. Caminho de chapéu de chuva na mão, mas espero que o sol me poupe a um
aguaceiro. A cidade ronrona e furtiva escapa-se-me dos olhos. Passos por
pessoas que cumprimento, mas não consigo já localizar o nome de algumas. A
folhagem da memória é precária e caduca, torna-se pó com excessiva facilidade. À
rua onde passo deram-lhe o nome da revolução, mas nela tudo é sossego e
indiferença, uma ordem sem a cegueira delirante da exaltação. Por ali, apenas
um tribunal, uma farmácia, mais acima, escolas. Nada que lembre a branca
obscuridade do entusiasmo e da fantasia. Os dias são como a vida na província,
passam devagar, mas o tempo, esse corre desalvorado e sem tino, ansioso a todos
entregar, sem demora, à tranquilidade do ataúde. O melhor é abrir o chapéu, uns
pingos grossos anunciam a bátega infernal que há-de vir.