Arrefeceu. Ao início da tarde parecia que a Primavera tinha
triunfado, mas com o declinar do dia uma súbita saudade do Inverno tomou conta
das ruas. As pessoas encolhem-se um pouco como se isso servisse de esconjuro
contra o frio e seguem os seus caminhos, como se nelas houvesse um propósito,
uma causa final que as movesse e desse sentido à vida. Parei no passeio e
deixei-me ficar a olhar o que se passa na avenida. As árvores ainda estão
despidas, noto. A iluminação pública já invadiu a atmosfera e a noite, tecida
de tafetá escuro, prepara-se para, gloriosa, cair sobre o dia moribundo. O
melhor será ir para casa, pensei, enquanto alguém me acenava ao fundo e, de
imediato, desaparecia devorado pela pobre penúria da escuridão. Uns
adolescentes passam do outro lado rua como se tivessem toda a eternidade pela
frente, riem alto e assustam um gato que, desconfiado, se esconde debaixo de um
carro estacionado. É noite.