Hoje está um sol de Quaresma, pensei ao sair de casa. Um sol
quaresmal, mas que coisa será essa? É um sol que brilha sem exuberância, que se
derrama sobre os prédios com uma leve tristeza, que toca os espíritos fazendo
lembrar umas vezes a solidão e outras a promessa de um grande acontecimento. A
cidade não sai diminuída com este sol. Estacionei o carro ao lado da Igreja de
S. Pedro. No pequeno percurso que tive de fazer a pé, tudo estava menos
deprimente do que é habitual. Graças ao sol. Eu sei que estamos em tempo de
ressurreição e que não devemos projectá-la na realidade, mas temos de ser
compassivos. Sempre se pode imaginar que a velha vila, aquela que foi
exuberante, há-de ressuscitar ou voltar numa manhã de nevoeiro. Não
ressuscitará nem voltará, claro. As casas estão cansadas, as pessoas exaustas e
o mundo tem mais que fazer do que satisfazer os desejos de quem, tocado pelo
sol, se deixa arrastar pela melancolia que cobre as horas. Não haverá nenhum
grande acontecimento. E isso pode não ser mau.