quarta-feira, 21 de março de 2018

Estultícia


Há pouco, quando passei pela avenida marginal a caminho de casa, perguntei-me, agora que a Primavera se instalou segundo a ordem do calendário, quanto tempo faltará para essas horas de grande ilusão que são os dias dos castanheiros em flor. A palavra ilusão desencadeou em mim uma associação de ideias e fez-me retornar aos primeiros anos em que exerci, vindo da faculdade, a minha profissão. A ilusão, que eu não sabia que o era, residia em pensar que o ser professor me iria dar tempo para fazer longas e demoradas leituras. Nos primeiros anos – seriam os verdes anos profissionais – a ilusão não se desfez e eu ia partilhando com os meus alunos aquilo que ia descobrindo. Anos mais tarde descobri que isso era como o florescimento dos castanheiros na avenida. A ilusão de um instante. A partir de certa altura, ao fim de não sei quantas reformas, um professor quase está proibido de fazer leituras, pois as horas da semana são escassas para tudo o que tem de fazer na escola, para além de ensinar alunos. A forma como a vida escolar se foi organizando, durante a minha vida profissional – pensei, ao fazer a rotunda onde desagua o viaduto de Rio Frio –, parece ter como desígnio a estupidificação dos professores. Quando as árvores florescem a ilusão é magnífica, mas quando a flor cai a realidade mostra as trevas densas que nela habitam. Deveria ter lido Kafka com muito mais atenção. Ele bem me avisou, mas a minha estultícia foi mais forte.