Muitas vezes, quando vou visitar a minha mãe, aproveito por
passar por dentro da cidade. Faço-o como se tratasse de um regresso a casa. Não
encontro nessa viagem de retorno os escolhos que Ulisses encontrou, no regresso
de Tróia, para chegar a Ítaca. Por aqui não há ciclopes de um só olho nem se
escuta o canto das sereias. Tudo se passa como sempre se passou, apenas o tempo
cobriu cada coisa com o seu manto de poeira e não há quem esteja disponível
para limpar o pó. Os conhecidos estão cada vez mais enrugados e os novos,
quando se avistam, são escassos e parecem já envelhecidos, contaminados por uma
nostalgia de não se sabe bem de quê. Talvez este tempo de Quaresma obrigue a um
jejum de novidade e a antiga vila se prepara assim para o grande luto que
antecede o domingo de Páscoa. Ao passar pela velha ponte do Raro espreito o rio.
Corre exuberante. O castelo, sonolento, abre a boca das muralhas e boceja. A
certa altura, na rua da Fábrica, corto à direita. O carro desliza devagar e eu
espero ver-me ali, um pouco mais à frente, nos meus dez anos a jogar futebol em
plena rua. Paro o carro e só há silêncio. Cheguei, mas eu não estou lá.