Um casal discutia tão alto que não tive maneira de não saber
a dolorosa questão que o animava. Ânimo e entusiasmo parecia não faltar a ambos. Na
verdade, trivialidades que fazem da vida um drama sem fim ou que trazem à luz tragédias
recalcadas, que aproveitam o trivial para simbolizar o terrível. Como não tinha
à mão um comando a que pudesse recorrer para desligar o som, deixei-me arrastar
para a memória de algumas cenas de filmes de Bergman, onde as pessoas dizem
umas às outras coisas terríveis sem levantar a voz. Até para se dizer o
terrível há boas e más maneiras. Não sei se os domingos são mais propícios para
o desarranjo da felicidade conjugal. A perspectiva de mais vinte e quatro horas
partilhadas momento a momento, depois das de sábado, talvez tenha um peso na
propensão para o conflito. Amanhã, com as horas ocupadas pela profissão, tudo
se tornará mais sensato. Penso, muitas vezes, que por detrás dessas felicidades
que se arvoram publicamente há patologias tais que a única maneira de conviver
com elas é criar um grande cenário de vida beata, cheio de corações, sorrisos
abertos e fins felizes. Depois, chega a hora em que a boca já não consegue
mimar o sorriso e a beatitude mostra o inferno. Talvez a ausência de chuva e de
vento tenha serenado os espíritos ou talvez se tivessem cansado. Agora, o
silêncio desliza num raio de luz e incendeia-se sobre pequena mata de cedros
que avisto. É domingo.