Senilidade não é o estado em que me encontro, presumo com benevolência, mas o título do romance de Italo Svevo que estou a ler. A personagem senil não é um homem de idade avançada, mas alguém ainda jovem. Comporta-se perante uma rapariga mais nova e experiente como um velho que, desconfiado das possibilidades do corpo, se entrega à declinação do ciúme. O romance foi publicado no final do século XIX e talvez fosse já possível discernir o ciúme como algo que não deveria atacar as novas gerações, mas só aquelas em que as possibilidades físicas fossem insuficientes para consumar os devaneios eróticos da imaginação. Não se pode dizer que a obra tenha tido mau acolhimento. Na verdade, não houve sobre ela qualquer escrito. Nem favorável, nem desfavorável. Apenas silêncio. Svevo levou esta ausência de reacção muito a sério e esteve vinte e sete anos sem publicar. Salvou-o James Joyce. Hoje é um dos grandes nomes da literatura italiana. Há pessoas que nascem fora do seu tempo. Senilidade era uma obra demasiado moderna, um romance precursor, para ser apreciado no tempo e no lugar onde foi publicado. Nietzsche, por exemplo, presumia-se intempestivo. Escrevia para o futuro, pois o presente seria incapaz de o compreender. Há outra espécie de intempestivos, de pessoas que nascem anacrónicas. Não anunciam nenhum futuro, tão pouco são homens ou mulheres do futuro. São pessoas que nasceram demasiado tarde, num tempo que já não se coadunava com a sua constituição mais funda. Pertencem a um espírito cujo tempo se consumou. Os românticos imaginaram-se assim perante a Idade Média, mas o culto que lhe prestaram não é prova de estarem deslocados do seu tempo. É um truque para abrirem uma brecha dentro do mundo moderno e nele encontrarem lugar. Aqueles que são anacrónicos, cujo espírito repousa num tempo acabado, não têm nada para dizer. Olham o mundo e fazem do silêncio a sua morada.
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